Filosofar com 500 Alunos

Foi este o desafio que lancei à Associação de Professores de Filosofia quando me convidaram para fechar (em beleza ou em tragédia) o Ousa Pensar Edição 2023. Afinal Ousar Pensar implica um risco e este desafio também. Podia correr bem, como podia correr muito mal.

Durante a semana até à sessão fui pensando na estupidez em que me tinha metido. Como colocar os alunos de três escolas de várias zonas do país (Cantanhede, Mafra e Óbidos) cada uma com várias turmas, cada uma com um computador e um acesso ao Zoom, algumas em auditório, outras em sala de aula, a dialogar uns com os outros? Todos sabemos que o Zoom é uma excelente ferramenta para comunicar à distância mas não nestas condições. O mais fácil seria tê-los calados durante umas dezenas de minutos e, no fim, aceitar algumas perguntas, mas dessa forma não estaria a mostrar o que é a Filosofia Socrática. Estaria a dizer uma coisa e a fazer outra, isto é, os alunos estariam a ouvir-me pensar por eles a dizer que deveriam pensar por eles. Uma contradição performativa, portanto.

Estava com as minhas dúvidas se seria possível coordenar isto tudo mas, graças à colaboração dos alunos (impecáveis) e dos meus colegas professores de cada turma (inexcedíveis) as coisas até acabaram por correr mais ou menos bem.

Infelizmente por motivos de privacidade de imagem não pudemos gravar a sessão, seria giro voltar a ver uma série de janelinhas do Zoom silenciadas com dezenas de miúdos a agitar-se em sala de aula, de braço no ar, a avançar ideias e a escolher e votar nas perguntas que iriam “oferecer” a outra escola.

Em baixo deixo as notas usadas para a sessão (incluindo as perguntas trocadas entre as várias escolas) caso queiram experimentar este exercício com os vossos alunos. Pode ser adaptado para diversos contextos inclusive uma troca de correspondência filosófica entre escolas 🙂

Muito obrigado à APF, aos colegas das várias escolas e aos alunos por me terem proporcionado esta experiência inesquecível.

Abraços a todos e quando vierem ao Porto avisem que fazemos um Café Filosófico só para vocês.

Ousa Pensar! Edição 2023

Sessão 4 | 15 de março de 2023 | 10h15

Tomás Magalhães Carneiro

Café Filosófico – A Arte de Perguntar

  • Apresentação: Filosofia Socrática (5 minutos)
  • Ferramentas do filósofo (5 minutos)
  • Ferramenta da Problematização (5 minutos)
  • Exercício: Perguntar à Pergunta (35 minutos)
  • Comentários (10 minutos)
  • Apresentação: Filosofia Socrática

Sócrates, filósofo de rua.

Filosofia não é (só) para génios.

A Filosofia é uma técnica, como uma arte, ou um desporto ao alcance de todos

É feita em Diálogo com os outros, em grupo, como um jogo.

Filosofia Socrática na escola

os alunos

– responsáveis pela construção do currículo de acordo com os seus interesses;

– participam ativamente nos diálogos socráticos;

– cultivam competências e atitudes filosóficas e de pensamento crítico

   o professor

– não segue nenhum manual ou programa;

– ajuda a manter o diálogo no campo da filosofia (abstrato, universal, especulativo)

– ensina as técnicas do diálogo socrático (≠ debate de ideias);

– foca-se apenas nestas aprendizagens essenciais

– descobre a filosofia de novo em cada aula;

Conclusão

A Filosofia Socrática na escola não se adequa aos moldes actuais do ensino da Filosofia, mas poderá ter lugar em disciplinas menos centrais, com um currículo mais flexível e menor peso nas avaliações como a Cidadania, Religião e Moral, Área de Projecto, etc.

  • Ferramentas do filósofo: já todos as temos, resta aperfeiçoar.

interpretação

sintetize

lógica (pensar com)

argumentação

conceptualização

problematização

  • Ferramenta da Problematização

O que é problematizar?

Problematizar é a capacidade de criar, desenvolver e aprofundar problemas.

Exige uma capacidade de ver além do óbvio para encontrar o interessante e o duvidoso (o problemático) no quotidiano, naquilo que normalmente não paramos para pensar.

Problematizar ≠ acreditar ≠ ter a certeza

(Kant e os juízos problemáticos, assertóricos e apodíticos)

Um problema só é um problema se for um problema para nós, se o sentirmos como um problema.

É por isso que, para o filósofo socrático a problematização é a primeira das ferramentas a ser utilizada. Deve ser capaz de encontrar e fazer sair os problemas de uma preocupação sua, de cada um de nós. Os problemas devem sair da nossa vida (da rua) e não apenas dos livros.

4) Exercício: Perguntar à Pergunta

Pré sessão

Escreve uma pergunta que consideres importante, interessante e desafiadora.

– Dividir a turma em grupos de 5/6 alunos (se possível).

– Trabalho de destilar perguntas: do aluno ao grupo à turma à escola a outra escola

Sessão

1º Passo – Escolha e oferta da “pergunta/prenda filosófica” (10 minutos)

– Cada aluno apresenta a sua pergunta ao grupo.

 – Cada grupo escolhe a pergunta mais importante, interessante e desafiadora.

– Apresentam-na à sua turma.

– Cada turma deve escolher a melhor pergunta de acordo com os 3 critérios propostos.

– Essa pergunta será a sua “prenda filosófica” para outra turma.

– Os professores escolhem uma das perguntas para ser a pergunta da sua escola.

Perguntas

De Cantanhede para Mafra: Pode o homem ser o sentido da vida para si?

De Mafra para Óbidos: Se pudéssemos apagar as nossas memórias e começar de novo, tomaríamos as mesmas decisões?

De Óbidos para Cantanhede: Qual o peso das emoções no Livre Arbítrio.

2º Passo – Abertura da “prenda filosófica” (10 minutos)

– Cada turma recebe a sua “prenda”, uma pergunta filosófica novinha em folha (não usada num manual de Filosofia).

– Cada grupo deverá fazer uma pergunta a essa pergunta recebida. A pergunta deve levantar um problema à pergunta que lhes foi oferecida.

 – A turma escolhe a pergunta que melhor problematize a “pergunta/prenda” e devolve-a à turma que lha ofereceu. Ou seja, a “pergunta/prenda” tem talão de troca.

Perguntas

De Cantanhede para Mafra: Pode o homem ser o sentido da vida para si?

Talão de Troca

Mafra devolve a Cantanhede:  A vida precisa de ter sentido?

De Mafra para Óbidos: Se pudéssemos apagar as nossas memórias e começar de novo, tomaríamos as mesmas decisões?

Talão de Troca

Óbidos devolve a Mafra: Se tomássemos as mesmas decisões isso provaria a não existência de livre arbítrio?

De Óbidos para Cantanhede: Qual o peso das emoções no Livre Arbítrio.

Talão de Troca

Cantanhede devolve a Óbidos: Será que o livre-arbítrio existe e tem alguma relação com as emoções?

3º Passo – Talão de Troca (10 minutos)

– As turmas recebem de volta uma nova pergunta.

– Cada grupo analisa a forma como a “pergunta/prenda” que ofereceram foi problematizada pelo outro grupo.

– Cada grupo cria uma pergunta final que problematize essas duas perguntas (a que ofereceram e a que receberam em troca). A problematização pode ser no sentido de uma pergunta que faça uma síntese das outras duas, que seja mais geral que as outras duas, que encontre um pressuposto comum às outras duas, etc.

4º Passo – Criação de uma problemática (lista de perguntas finais)

Cantanhede – O que é o sentido da vida?

Mafra – Será que se as circunstâncias e os nossos valores fossem os mesmos, influenciaram as nossa decisões da mesma forma?

Óbidos – Será que a capacidade de pensar sobre as nossas emoções prova a existência do livre arbítrio?

Muito Obrigado!

Tomás Magalhães Carneiro

clubefilosoficodoporto@gmail.com

Deixe um comentário