DIÁLOGO FILOSÓFICO

O Diálogo Filosófico na Sala de Aula

Partimos do pressuposto de que a filosofia é, num certo sentido, acessível a todas aqueles que já possuímos alguma experiência de vida e um conjunto de valores pessoais adquiridos com essa experiência. Mesmo que não o saibamos todos nós já temos um ponto de vista filosófico sobre o mundo. Quando respondemos a perguntas tão comuns como “Deus existe?”, ou “Como é que sabes isso?”, ou ainda “Devo copiar no teste?” revelamos respectivamente um posicionamento metafísico, epistemológico e ético latente, mesmo que embrionário.

Se olharmos do ponto de vista dos resultados todos nós possuímos desde muito jovens alguma metafísica, como também possuímos alguma epistemologia e alguma ética. Todos temos crenças e opiniões para dar sobre todos estes assuntos. Nesse sentido todos somos um pouco filósofos. Este facto justifica que seja possível fazer Filosofia com Crianças.

Por outro lado, se olharmos do ponto de vista do processo de pensamento pelo qual adquirimos essas crenças e manifestamos essas opiniões, muito poucos de nós se podem dizer filósofos uma vez que, de uma forma geral, não somos particularmente rigorosos e conscientes de tudo aquilo que dá origem e enforma esses nossos posicionamentos filosóficos (metafísicos, epistemológicos e éticos) sobre nós e o mundo.

A Filosofia e do Diálogo Filosófico procuram tornar mais exigente e consciente o processo pelo qual adquirimos o nosso ponto de vista filosófico em conjunto com outros seres humanos racionais como nós.

A Filosofia, entendida como uma actividade crítica de investigação e discussão de ideias em torno de alguns problemas fundamentais, é algo que pode e deve ser experimentado por toda a gente de qualquer idade e nível académico. Para o ensino da Filosofia (no ensino secundário e não só) propomos o Diálogo Filosófico como uma forma de os nossos alunos colaborarem entre si na resolução dos problemas filosóficos propostos pelo professor (ou pelo programa) e de, nesse processo, serem capazes de descobrir e valorizar aquilo que a filosofia pode trazer de bom para as suas vidas: consciência crítica, autonomia e independência de pensamento, confiança nas suas capacidades intelectuais e um sentido de maravilhamento perante os grandes mistérios da vida.

Para isso propomos aos professores que comecem, no início de cada tema do programa da disciplina de Introdução à Filosofia por ouvir realmente as ideias e os argumentos dos seus alunos sobre cada problema filosófico do programa. Propomos que ouçam e aceitem mesmo aquelas ideias e argumentos que lhe pareçam absurdos e não vejam neles qualquer pertinência. Esta é a única forma de conseguir com que os alunos façam seus os problemas filosóficos propostos. Conseguimos isso quando os alunos sentem que têm algo de interessante e importante a dizer sobre os problemas e que deles não se espera que simplesmente decorem e repitam teorias e argumentos de filósofos.

Por outro lado, ao perceber a forma como os seus alunos tentam resolver os problemas filosóficos que lhes surgem pela frente o professor fica com uma imagem muito precisa da “matéria-prima pensante” que tem pela frente e a qual terá de moldar e moldar-se a ela ao longo de todo o ano lectivo.

Todos sabemos que damos mais valor a uma actividade depois de a procurarmos fazer e fracassar ao tentar. Reconhecemos-lhe valor pois constatamos em primeira mão as suas dificuldades e a perícia que é necessária para as superar, seja essa actividade jogar ténis, tocar piano, pintar um quadro, fazer uma camisa ou uns sapatos. Da mesma forma os nossos alunos darão maior valor aos esforços dos filósofos que estudarem ao longo do ano depois de terem tentado percorrer por eles mesmos os passos de uma investigação filosófica: a descoberta do problema e as primeiras tentativas (normalmente falhadas) para o resolver.

Para pensar de forma livre, autónoma e crítica é necessário que, em primeiro lugar, os alunos tenham interesse em fazê-lo e esse é um dos maiores desafios que se coloca a um professor de Filosofia que quer Dialogar com os seus alunos: despoletar a chispa de entusiasmo pelo debate de ideias, muito natural nas crianças e nos jovens, mas infelizmente abafada por anos e anos de ensino passivo e acrítico, por horas e horas de aulas onde a sua opinião não é pedida nem achada, ou quando é é-o apenas para fazer de caixa de ressonância da opinião de outros (professor, autores, manuais, etc.).

Em segundo lugar também é necessário que os alunos percam o medo de errar (fruto desses anos e anos de ensino “avaliador” e que sintam que, pelo menos durante o Diálogo, têm liberdade para dizer o que pensam desde que respeitem as regras do Diálogo Filosófico que são, basicamente, as regras de civismo e boa educação (esperar pela sua vez para falar, ouvir os outros, aceitar a crítica, etc.).

O papel do professor no Diálogo Filosófico

 Num Diálogo Filosófico o professor deve tentar aproximar o mais possível o seu papel do de um “professor socrático” que faz perguntas não porque sabe as respostas às suas perguntas e quer avaliar o conhecimento dos seus alunos, mas porque genuinamente não sabe essas respostas e pede aos seus alunos que o ajudem nessa procura. Durante o Diálogo Filosófico o professor deve suspender o seu papel de professor e esforçar-se por “ensinar sem ensinar”, ou seja ensinar os seus alunos a filosofar sem lhes transmitir conhecimentos filosóficos, procurando subtilmente que esse conhecimento surja dos próprios alunos e que isso aconteça de forma cada vez mais natural e rigorosa.

Como uma boa “parteira de ideias” o professor deve a todo o custo evitar dirigir o Diálogo para onde acha que os alunos devem ir, pois aí seriam as suas ideias que estariam a nascer e não as dos alunos. Num Diálogo Filosófico o professor deve ter a humildade de aprender a gostar dos filhos dos outros, neste caso, das ideias dos seus alunos, mesmo que estas lhes pareçam pequenos monstros que não deviam ter lugar na sala de aula.

Sabemos bem que muitos colegas professores de filosofia terão dificuldade em “abrir-se ao diálogo” com os seus alunos, ou porque não veem qualquer pertinência em fazê-lo, ou porque a exposição, a explicação e a transmissão de ideias é já uma prática bastante incrustada no seu código genético de professor. A esses colegas apenas podemos dizer que tentem. Que, pelo menos uma vez, arrisquem mudar as suas estratégias e formas confortáveis de ensinar. Encontrem em vocês a tal “chispa filosófica” que querem acender nos vossos alunos. Acreditem que os resultados surgirão.

Rapidamente verão os vossos alunos entusiasmados com a matéria que lhes é dada estudar e sobre a qual têm uma palavra a dizer. Esse entusiasmo, essa “chispa filosófica” é o motor da nossa disciplina, provavelmente foi o motivo que vos levou a estudar filosofia (lembram-se?) e é,também, o ponto a partir do qual será mais fácil introduzir as ideias e os argumentos tradicionais dos filósofos que, possivelmente, não serão mais encarados pelos alunos como “corpos estranhos e intrusivos”, mas como amigos que têm algo interessante a dizer e os podem ajudar a resolver um problema partilhado por todos.

O papel do aluno

Por sua parte os alunos não devem esperar pelas respostas que acham que o professor (acha que) sabe ou que quer ouvir. Durante os Diálogos Filosóficos os alunos devem sentir que são livres para dizer o que julgam ser importante e pertinente para o problema em questão. Devem sentir que não vão ter má nota se exprimirem uma ideia errada nem vão ser censurados pelo professor por dizer um disparate. A única obrigação que têm durante um Diálogo é a de justificar de forma clara, séria e com as melhores razões que forem capazes aquilo que defendem. O único crivo a que estão sujeitos é o da crítica e censura pelos seus pares quando isso não acontece.

É esta maturidade no diálogo que o “professor socrático” deve ter como objectivo central logo desde as primeiras sessões de Diálogo Filosófico e para a atingir deve desenvolver por si mesmo as estratégias que achar mais adequadas.

– Em notas futuras publicaremos aqui algumas dicas e sugestões (Obstáculos ao Pensar eFerramentas de Moderação) fruto da nossa experiência na prática de Diálogo Filosófico dentro e fora do contexto de sala de aula que, esperamos, possam ser úteis aos colegas professores de Filosofia (e não só).

 

– Artigo de interesse: Como Criar uma Comunidade Filosófica na Tua Rua

11 pensamentos sobre “DIÁLOGO FILOSÓFICO

  1. Daí a importância do bom uso da palavra, seja quando se pensa, seja ao falar até ao escrever.É assim que trabalha a filosofia bocejando os pensamentos

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