A ILHA DO DESTINO

 

Em Filosofia adoramos o contra-factual e o hipotético. Colocar os nossos alunos em situações irreais (mas não necessariamente irrealistas) em que tenham de tomar decisões “como se” as suas vidas dependessem disso é uma fórmula garantida para uma aula intensa e divertida.

Aqui é proposta uma experiência mental e um jogo de tomada de decisão em conjunto que levam os nossos alunos a pensarem sobre questões como a Justiça, o Sacrifício, a Fidelidade e o Destino.

“Numa pequena ilha no Atlântico Norte, a Ilha do Destino, um ditador governa de forma implacável o seu pouco numeroso e atemorizado povo. Um dia escapa por pouco a um atentado à bomba e resolve aproveitar esse golpe de sorte para eliminar os poucos opositores ao seu regime que ousam pôr em causa o seu governo. Prende-os a todos apesar de estarem inocentes e ameaça matá-los caso não indiquem dois acusados. Se o fizerem os restantes serão libertados.

Vocês (os alunos) são esses opositores ao regime que foram presos e que terão de escolher dois acusados de entre vós. Esses dois acusados serão julgados de acordo com a crença principal da cultura desta ilha: o Destino decidirá se são culpados ou inocentes sujeitando-os a um sorteio macabro em que têm 50% de probabilidades de sobreviver, sendo então inocentados, ou de morrer sendo então reconhecida a sua culpa.”

Pergunta 1: Devemos acusar dois companheiros ou deixar que toda a gente morra?

Se os alunos escolherem acusar dois companheiros sujeitando-os ao “julgamento” do Destino devem propor uma forma de indicar esses dois nomes (sorteio, voluntários, etc.)

O diálogo em torno do que deve ser feito e de como deve ser feito irá ocupar-nos a quase totalidade da aula com alguns alunos a defenderem que não é justo indicar qualquer nome pois todos estão inocentes e outros a defender que deverão tentar salvar o maior número possível de pessoas sendo que, com alguma sorte, todos poderão ser salvos. A forma como deverão escolher os acusados também poderá tomar várias formas.

Dificilmente um grupo escolherá sacrificar todos os elementos. Realizei este exercício umas 15 vezes e apenas numa turma a maioria dos alunos decidiu sacrificar-se. Mas neste caso, como o diálogo foi muito vivo e demorado, ocupando a totalidade da aula, não foi necessário encontrar uma forma de dar continuidade ao exercício. Mas se pretendermos podemos fazê-lo incluindo uma regra ad hoc em que apenas aceitamos o sacrifício de todos se houver unanimidade em relação à primeira opção:

  • Ao não acusar dois colegas Todos têm 0% de sobrevivência.
  • Ao acusar dois colegas esses têm 50% de hipóteses de sobrevivência cada um e Todos  os outros 100%.

Usando esta artimanha praticamente forçamos o grupo a escolher dois acusados pois dificilmente todos concordarão em sacrificar o grupo todo com base num princípio da justiça. Seguramente que considerações mais pragmáticas, ou utilitaristas, convencerão alguns dos nossos alunos, o que nos pode interessar se quisermos levar o grupo a pensar sobre mais algumas questões e temas.

Após a nomeação (quase certa) de dois “acusados” perguntamos:

Pergunta 2: Houve justiça?

Desta forma os alunos são levados a pensar sobre dois diferentes níveis de justiça: uma justiça em absoluto em que não houve justiça pois todos estão falsamente acusados à partida, e uma justiça em contexto em que dadas as circunstâncias impostas houve a melhor justiça possível.

“Agora que temos dois acusados o Destino decidirá se são culpados ou inocentes.”

Usando este simulador de “Roleta Russa” que encontrei na net (graças aquelas horas de navegação ociosa) em que podemos colocar as probabilidades em 50% deixamos o “destino” decidir a sorte dos dois acusados.

Depois de sabermos se foram considerados culpados ou inocentes voltamos a repetir a:

Pergunta 2: Houve justiça?

Como é óbvio a discussão que tivermos daqui para a frente será totalmente influenciada pelo resultado do “sorteio” que acabámos de realizar. Se ambos forem considerados “culpados”, se ambos forem considerados “inocentes”, ou se um for uma coisa e outro outra. Mas é de esperar algumas considerações sobre o Destino e o justo sacrifício dos “acusados”.

Uma forma de continuar a sessão, levando os alunos a pensar mais uma vez sobre Justiça mas também sobre as ideias de Castigo e Vingança, é revelando algo que aconteceu na ilha após o julgamento/sorteio:

“Atenção! Aconteceu algo. Uma revolução na ilha. Vocês foram soltos! O ditador foi preso. A situação é a seguinte:

O ditador será julgado à maneira da ilha. Pelo destino.

A questão é quantas balas colocar na pistola. Têm três hipóteses:

1, 3 ou 5

O QUE É MAIS JUSTO FAZER?

 

 

 

 

Qualquer que seja o resultado, se jogarmos bem a “cartada” do suspense na altura da decisão do destino temos aqui uma daquelas sessões de filosofia explosivas que ficará na memória de todos.

(adaptado de “Diktatia” – Problema 12 em 101 Philosophy Problems, de Martin Cohen)

 

 

 

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